terça-feira, 27 de janeiro de 2009

GLOBALIZAÇÃO & CRISE

A pergunta

O tempo tinha deixado suas marcas no rosto curtido pelas intempéries do velho João. Mas também, tinha somado em sabedoria, temperada pela íntima compreensão das incongruências das ações humanas.

Naquela tarde, reunidos na mesa do café, com a turma de sempre, ele disparou com aquele tom malicioso:

- Tu que ás vezes pareces saber das coisas, me conta porque essa tal de globalização é boa para o Brasil. Ou não é?

- A resposta não é fácil - quis esquivar-me - O tema é muito complexo e, no caso do Brasil, tem prós e contras. Mas, no conjunto, acho que o saldo é francamente positivo.

- Ah, te peguei – retrucou seu João – Falando fracamente, eu acho que esse processo é apenas o rótulo para um esquema muito inteligente dirigido pelos poderosíssimos LFP - Lobos Famintos Planetários – conluio entre as 1. 000 maiores empresas e as 1.000 maiores fortunas do mundo, que entregaram a gestão de seus negócios a nata da tecnocracia internacional, gente excepcionalmente inteligente, impiedosa, ambiciosa e totalmente apaixonada pelo lucro, objetivo e prêmio máximo de seu trabalho.

Uma resposta

- Não, claro que não – quis rebater - O Sr. está sonhando, fantasiando, lendo e acreditando demais em novelas que misturam aventura e negócios. Jamais pode sequer pensar-se na possibilidade de um movimento tão sinistramente orquestrado. Muito pelo contrário: é um processo que atende e se ajusta aos novos condicionamentos da economia mundial e, o mais importante, a globalização abre mercados, permite acesso a novas tecnologias, atrai investimentos para os países menos aquinhoados, facilita o desenvolvimento...

- Tudo isso é verdade – interrompeu seu João - Mas, na prática, quem são os mais beneficiados? Por acaso, os mais necessitados, como os países pobres ou emergentes, o Brasil no meio. Ou os países ricos, cada dia mais ricos, poderosos e mais distantes do resto do mundo, no dizer dos últimos relatórios sobre a economia mundial, patrocinados pela ONU. Sob esse prisma, a globalização não pode ser vista como um instrumento de desenvolvimento que beneficia os países mais carentes. E sim apenas como sendo um mecanismo a mais para concentrar riqueza.

- Não, seu João, não é bem assim – É um processo importante, moderno, dinâmico, que faz que a qualidade, a produtividade, enfim, a competitividade predomine nas relações entre as nações. E fortalece as empresas, cria novas oportunidades de negócios sem fronteiras, prepara seus participantes para enfrentar e vencer os desafios seculares da miséria, das doenças, da desesperança, das rivalidades entre povos e nações, da má distribuição da riqueza mundial, enfim, da maioria dos flagelos que castigam a humanidade desde o início da história.

O Seu João continuava imperturbável, sem dar a menor atenção a meus lúcidos (pelo menos, eu achava) argumentos.

As dúvidas

- Pára ai! Que estória mal contada! Olha aqui: é a mesma coisa que colocar a velha Romilda – minha égua de estimação – e aquele garanhão fogoso, que tu conheces muito bem, juntos na linha de largada para disputar o grande prêmio do predomínio mundial do século XXI. Claro, os dois começam ao mesmo tempo, do mesmo lugar, as regras são iguais, etc. etc. Agora, vamos apostar?

- Seu João, nada disso ! Essa é conversa fiada da esquerda pós-comunista que ficou sem bandeira e sem ter o que fazer. O processo pode até ter lá suas falhas, naturais numa empreitada gigantesca. Mas, todos os países têm as mesmas oportunidades para competir e vencer.

- Não vem com essa de esquerda ou direita - esbravejou meu querido amigo. Isso de esquerda e direita é conversa para boi dormir, usada por aqueles que, por falta de argumentos, usam antigos clichês como verdades absolutas. Porque, na verdade, tu tens a desfaçatez de afirmar que, por exemplo, se eu coloco nosso time “esperança nunca morre” para disputar um jogo com os campeões mundiais, nós temos chance de ganhar, porque ao final das contas, somos onze, a bola é redonda, até nos emprestaram umas camisetas para parecer que somos um time organizado. Bem, tem bobo que compra até bilhete de loteria premiado!

- Vamos por partes. Isto não é um jogo de futebol. É um assunto tão importante que, me atrevo afirmar, merece uma análise séria, até porque a globalização, entre outros benefícios, vai evitar as guerras futuras e vai colocar todos os países num patamar de progresso nunca antes visto.

- Tu acreditas ainda em contos de fada. Mas se os 500 homens mais ricos do mundo possuem um patrimônio equivalente à renda da metade da população deste sofrido planeta, e se as 200 maiores corporações internacionais, têm vendas equivalentes a 28% do PIB mundial, empregando apenas 1% da força de trabalho, não existe aí um formidável conflito de interesses?

- Naturalmente, esse é um dado a ser considerado, porém não exclui outras considerações de igual ou maior relevância, desde que...

- Tudo blá-blá-blá - interrompeu João – Olha, é a mesma coisa que jogar um gato na jaula do leão, até porque os dois são felinos, e depois que o leão comeu o gato, sai por aí apregoando que foi uma luta justa. Tenha paciência! Só como exercício: pode alguém explicar – e dou absoluta preferência a qualquer analista de qualquer banco estrangeiro - a quem beneficia o fluxo de capitais internacionais de quase U$ 2,1 trilhões por dia, reciclando o PIB mundial em menos de 4 semanas. Outra, porque quando a bolsa da Rússia despencava, em meados de 1998, todo mundo tremia, o Brasil idem. Mas que coisa, a bolsa da Rússia movimenta apenas 1% dos negócios da bolsa de São Paulo! Ou será que, por essa e outras “pérolas” - variação de juros internacionais; mudanças de clima que favorecem, ou não, determinadas culturas; rumores de desvalorização, em qualquer canto do mundo; ministro que sai, ou que entra; presidentes cujos “pecadilhos” são expostos; comportamento das ações de determinadas empresas líderes; etc. etc. – podem ser consideradas como parte de um processo de justa distribuição da riqueza mundial. Olha, o que eu acho é que estamos comprando gato por lebre!

Outra resposta

- Bem, em realidade, não é fácil justificar esses movimentos, ainda que devem ser focalizados de um ponto de vista mais amplo, até como possíveis defeitos naturais de um processo tão complexo, que podem e serão eliminados no decorrer dos próximos anos. E uma ruptura, como a crise atual, tem que acontecer de tempos em tempos para depurar o processo.

-Tudo bem! Perfeito! Mas, os resultados para os países da “periferia” são conhecidos: menos desenvolvimento, mais desemprego, mais desigualdade, mais miséria, mais revolta, mais injustiças, menos oportunidades, enfim, a conta a ser paga é terrível. E, como sempre, os que menos têm são os que pagam mais, proporcionalmente! Tu nas achas que vale a pena reflexionar, analisar alternativas e tentar dar a essa nova estrutura do sistema econômico mundial uma feição mais humana., sei lá . Porque, que me desculpem os economistas e políticos entendidos, a paz sempre correrá perigo num mundo de tantas carências para a maioria da população. E a crise atual vai deixar tristes seqüelas, a começar por algumas dezenas de milhões de pessoas sem trabalho.

Não quis responder. No fundo, eu concordo com muitas das ponderações de seu João. E me atrevo a pensar que é fundamental analisar essa questão sem excluir nenhuma variável, até porque o Brasil precisa ganhar forças nas formidáveis guerras econômicas que começam a pipocar embaladas pela “crise”. Globalizada, é claro.

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